ACESSO
DE TRANSGÊNEROS AO BANHEIRO PÚBLICO COM O GÊNERO AO QUAL SE
IDENTIFICAM
Atualmente,
impossível relegar a atenção ao fator evolutivo das relações
humanas e do comportamento bio-psico-social da
humanidade.
Os
avanços nas áreas científicas e culturais nos remetem para um
novo posicionamento do indivíduo, assumindo em
certos casos,
nova posição sexual, ao abdicar de suas características
embrionárias originárias, assumindo sua
sexualidade, segundo o
gênero com o qual se identificam.
Em
nossa realidade atual, observa-se a mutação comportamental, onde,
por vezes, ocorre
a
preponderância da afetividade sobre a conduta biológica, embora,
estende-se essa como ideal às relações humanas, pois,
dá-se
entre homem e mulher, e correlata a forma de manutenção da vida
humana no planeta; aquela dotada de fenômenos psíquicos
experimentados na forma de sentimentos e emoções, que proporcionam
uma
nova forma ao uso da sexualidade humana, possibilitando as
relações afetivas entre indivíduos do mesmo gênero, opção a
preferência de
identificação por
gênero diverso a
do
nascimento,
entre outras consequências naturais.
Assim,
existem questões, que por sua própria natureza, são de complexa
resolução, pois, dividem opiniões e, por vezes, provocam mais
dúvidas e conflitos ao debate estabelecido. A aceitação social dos
transgêneros é um tema que se enquadra perfeitamente nessa
afirmativa.
Quanto
ao tema em pauta, qual é posicionamento de nossas instituições
políticas, jurídicas
e sociais, e do nosso próprio ordenamento jurídico ao
fenômeno transgênero?
Transgênero
é relativo a ou quem tem uma identidade de gênero diferente daquela
que foi atribuída à nascença ou uma identidade de gênero que não
é claramente feminina ou masculina. (Silva, 2008)
O
caso em tela, amolda-se a fatores históricos, que do ponto de vista
jurídico, remete-nos aos primórdios do direito, ao surgimento do
direito natural, que segundo os jusnaturalista, tem validade em si, e
é anterior e superior ao que hoje conhecemos como direito positivo.
No
direito natural (ius
naturale),
a natureza mesma segue e ensina até os animais, é um conjunto de
normas de conduta independente da vontade humana, sendo as leis
positivas promulgadas como conclusões das leis naturais. (De Cicco,
2011)
Assim,
o direito positivo depende da maneira de pensar da sociedade,
vinculando-se aos hábitos e costumes da época em que é proposta e
editada a lei, e dirigindo-se de forma abstrata a todas as pessoas.
Caracterizando-se
essa obdiência legal, obstáculo a ser transposto, em decorrência
de novas formas de pensamento, para o bem da harmônia e pacificação
social.
Desta
maneira, nossa Constituição Federal traz no bojo de seu preâmbulo
a valoração de uma sociedade fraterna, assegurando o exercício dos
direitos sociais e individuais, a igualdade e a justiça, banindo o
preconceitos, fundada num Estado Democrático de Direito.
Assim,
lê-se no art. 3º, IV de nossa Carta Magna:
Art.
3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil:
(...)
IV
- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Do
ditame constitucional, infere-se de forma inequívoca, a tutela da
Lei Maior ao direito das minorias, impedindo a marginalização de
grupos inseridos na sociedade, seja, por aspectos econômicos,
sociais, culturais, físicos, religiosos, entre outros.
Obviamente,
entre esses grupos estão inseridos os
transgêneros,
que embora por nascimento pertençam a determinado gênero humano
(masculino ou feminino), identificam-se com o grupo contrário,
agindo e caracterizando-se de acordo com o estilo de vida oposto ao
sexo de seu nascimento.
Esse
grupo, via de regra, sofre com violações de direitos humanos em
decorrência de sua orientação sexual ou identidade de gênero. São
alvo de ataques, sob as mais diversas formas de violência,
motivadas por ódio, discriminação e exclusão. Incluem-se nesse
rol, verbi gratia, a tortura e maus-tratos, detenção arbitrária,
negação de oportunidades de emprego e educação, agressões
sexuais e invasão de privacidade.
Tudo
isso ocorre, em detrimento a Lei máxima de ordenamento jurídico
pátrio, que tem por fundamento, em seu art. 1º, III, a proteção
da dignidade da pessoa humana.
Isso
significa
dizer que, o Estado tem para si, o dever de assegurar o
desenvolvimento da personalidade de todos os indivíduos, incluso a
proteção a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, permitindo que cada um realize os seus projetos pessoais
lícitos, como
bem lhe convier.
Nesse
sentido, a dignidade da pessoa humana tem forte ligação com a vida
em sociedade e por isso deve ser respeitada por todos em relação a
todos, em homenagem
ao
princípio da igualdade, esculpido no art. 5º da Constituição
Federal:
Art.
5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, (...)
Destarte,
deve-se levar em conta esses preceitos normativos para proteção
dos direitos daqueles que se apresentam e identificam com identidade
sexual diversa de seu nascimento.
Sobre
o tema em questão, cita-se o RE 845.779 – SC, a cargo do
Supremo Tribunal Federal – STF. A
questão
encontra-se sub judice, sendo a última movimentação publicada em
23/11/2016, “andamento concluso ao relator”.
Entretanto,
já houve pela Suprema Corte, decisão
sobre o enquadramento da
matéria quanto
a repercussão
geral, isto
é,
o instituto
processual que reserva ao STF o julgamento exclusivo de temas,
trazidos em recursos extraordinários, que apresentem questões
relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou
jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
Anota-se
a ementa decisiva
sobre
o RE 845.779 - SC
, quanto a repercussão geral, a
seguir:
TRANSEXUAL.
PROIBIÇÃO DE USO DE BANHEIRO FEMININO EM SHOPPING CENTER.
ALEGADA VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A DIREITOS
DA PERSONALIDADE. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL.
1.
O recurso busca discutir o enquadramento jurídico de fatos
incontroversos: afastamento da Súmula 279/STF. Precedentes.
2.
Constitui questão constitucional saber se uma pessoa pode ou não
ser tratada socialmente como se pertencesse a sexo diverso do
qual se identifica e se apresenta publicamente, pois a identidade
sexual está diretamente ligada à dignidade da pessoa humana e a
direitos da personalidade
3.
Repercussão geral configurada, por envolver discussão sobre o
alcance de direitos fundamentais de minorias – uma das missões
precípuas das Cortes Constitucionais contemporâneas –, bem
como por não se tratar de caso isolado
Na decisão sobre a
repercussão geral sobre a matéria, o Supremo Tribunal Federal, por
maioria, reputou constitucional a questão, vencidos os Ministros
Marco Aurélio e Teori Zavascki. Não se manifestaram os
Ministros Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. O Tribunal, por maioria,
reconheceu a existência de repercussão geral da questão
constitucional suscitada, vencidos os Ministros Marco Aurélio
e Teori Zavascki. Não se manifestaram os Ministros Gilmar Mendes e
Cármen Lúcia.
Trata-se de agravo interposto
por André dos Santos Filho, notoriamente conhecida como Ama, em
face de decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que negou
seguimento a recurso extraordinário, confirmando decisão da
Terceira Câmara Cível do Tribunal local que, em apelação, julgou
improcedente ação de indenização proposta com o objetivo de obter
o ressarcimento por dano moral decorrente da discriminação de
gênero praticada por seguranças da Beiramar Empresa Shopping Center
Ltda.
A recorrente narra que, ao
entrar no banheiro feminino, como costumeiramente faz em locais
públicos, foi abordada por uma funcionária do estabelecimento
comercial que a forçou a se retirar do recinto, sob o argumento de
que a sua presença causaria constrangimento às mulheres que ali
estavam.
Diz que, após isso, adentrou
uma loja do shopping na tentativa de utilizar um banheiro que não
fosse de uso comum, sendo informada, entretanto , de que não havia
banheiros privativos no interior das lojas.
Afirma que, impedida de
utilizar o banheiro e estando demasiadamente nervosa, não conseguiu
controlar suas necessidades fisiológicas, defecando nas próprias
vestes, mesmo sob o olhar das pessoas que transitavam pelo shopping,
e que, depois de passar por essa situação vexatória, ainda
precisou fazer uso do transporte coletivo a fim de retornar a sua
casa.
A sentença de primeiro grau
julgou procedente o pedido, condenando a ré ao pagamento de
indenização por danos morais, no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil
reais).
A Terceira Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC), no entanto,
deu provimento à Apelação interposta pela ré, afastando a
incidência do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor e,
consequentemente, a responsabilidade objetiva do estabelecimento
comercial, sob o argumento de não estar configurado defeito na
prestação do serviço, uma vez que não se verificou falha no dever
de segurança.
Assentou o Tribunal não ter a
recorrente demonstrado a presença dos pressupostos da
responsabilidade civil, destacando que a prova testemunhal não
comprovou a suposta abordagem discriminatória ou agressiva.
Ressaltou, também, não ser reprovável a conduta da funcionária
que solicitou à recorrente que fizesse uso do banheiro masculino e
concluiu descabida a indenização pretendida, pois o dano
indenizável é aquele correspondente à lesão a direito da
personalidade, com grande repercussão no psiquismo do ofendido, e
não ao mero incômodo ou aborrecimento.
Quanto
ao caso, o
entendimento firmado pelo
Ministério Público Federal -
Procuradoria Geral da República, de
acordo com a manifestação emanada no Recurso Extraordinário
845.779 – SC, a saber:
RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.
REPERCUSSÃO
GERAL. TEMA 778. USO DE BANHEIRO PÚBLICO POR TRANSGÊNERO.
DIREITO À IDENTIDADE INDIVIDUAL E SOCIAL. VIOLAÇÃO DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA E DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. DIREITO DAS
MINORIAS. DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO.
Em
fundamentação a matéria, o Ministério Público Federal, assevera
não ser possível que uma pessoa seja tratada socialmente como se
pertencesse a sexo diverso do qual se identifica e se apresenta
publicamente, pois a identidade sexual encontra proteção nos
direitos da personalidade e na dignidade da pessoa humana,
previstos na Constituição Federal.
Segundo
o órgão, é cabível a condenação de estabelecimento comercial a
pagamento por dano moral, na hipótese de abordagem de transgênero
que visa constranger a pessoa a utilizar banheiro do sexo oposto ao
qual se dirigiu, por identificação psicossocial, uma vez que viola
a dignidade da pessoa humana, bem como os direitos da personalidade
que conferem aos transgêneros os direitos referentes à sua
identidade, ao reconhecimento, à igualdade, à não discriminação
e à segurança, previstos nos artigos 1º, III, e 5º, V e X, da
Constituição Federal, caracterizando o
combate
à discriminação racial e de gênero.
No
parecer emitido, o
Ministério
Público
pugna pelo
provimento do recurso, a fim de que seja reconhecido o direito à
indenização da recorrente pelo dano moral sofrido, restabelecida a
indenização fixada pela sentença
de primeiro grau.
Como já mencionado, o
tema em questão
encontra-se sub judice, no
Supremo Tribunal Fedral – STF,
sendo a última movimentação publicada em 23/11/2016, “andamento
concluso ao relator”.
Resta, por fim, aguardar pelo
desfecho final do recurso extraordinário, sob a expectativa do
Supremo Tribunal Federal manifestar-se explicitamente sobre as
efetivas proporções alcançadas pelos avanços na proteção da
dignidade humana e das minorias, contribuindo, assim, para a inserção
e aceitação das diferenças que naturalmente existem em uma
sociedade multicultural, de acordo com as políticas adotadas pelo
Governo Federal, com a colaboração das organizações não
governamentais, nominadamente da ABGLT – Associação Brasileira
de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, no combate
às discriminações, não só da classe em questão, mas sim, pelo
banimento da discriminação contra quem quer que seja vitimizado por
atos dessa natureza.
Art.
46 da Lei 9.610/98:
“Não
constitui ofensa aos direitos autorais:
(...)
III
- a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de
comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo,
crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir,
indicando-se o nome do autor e a origem da obra”.
Referências
bibliográficas:
De
Cicco, Claúdio; Gonzaga, Alvaro de Azevedo. Teoria Geral do Estado –
Ciência Política. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda.,
2011.
Silva,
De Plácido e. Dicionário Jurídico Conciso. 1.ed. Rio de janeiro:
Forense, 2008.
Pinto,
Antônio Luiz de Toledo e outros. Vade Mecum. 11. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011.
CONSELHO
NACIONAL DE COMBATE À DISCRIMINAÇÃO E PROMOÇÕES DOS DIREITOS
DE LÉSBICAS, GAYS, TRAVESTIS ETRANSEXUAIS. Resolução 12, de 16
de janeiro de 2015. Disponível online em:
http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-social/cncdlgbt/resolucoes/resolucao-012.
<
Acesso em: 25
abr.
2017>
SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL - STF. Recurso Extraordinário que ataca a
decisão da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Santa Catarina (TJSC), que deu provimento à Apelação
interposta pela ré, afastando a incidência do artigo 14 do Código
de Defesa do Consumidor e, consequentemente, a responsabilidade
objetiva do estabelecimento comercial, sob o argumento de não estar
configurado defeito na prestação do serviço, uma vez que não se
verificou falha no dever de segurança, em caso que a recorrente,
identificando-se sexualmente com gênero diverso a condição de
nascença, tentava utilizar banheiro público de acordo com sua
preferência de gênero. Plenário do STF – Relator: Ministro
Roberto Barroso, publicado em 13.nov.2014. RE: 845.779 - SC
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4657292&numeroProcesso=845779&classeProcesso=RE&numeroTema=778,
<Acesso: 25.ABR.2017>