Art.
330 – DESOBEDIÊNCIA – Código Penal – Decreto-Lei 2848\1940
Art.
330 – Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
Pena
– detenção, de quinze a seis meses, e multa.
Segundo
Fernando Capez (2013),
a lei tutela o prestígio e a dignidade da Administração Pública,
imprescindíveis para o desempenho regular da atividade
administrativa.
Assim,
da leitura da norma
acima,
infere-se que a ação nuclear está consubstanciada no verbo
desobedecer. De
tal sorte,
o crime de desobediência ocorre quando o sujeito ativo da prática
delitiva não atende a ordem legal emanada por funcionário
público
competente, através de um comando
expresso
àquele que tem o dever jurídico de obedecer.
Por
sujeito ativo
entende-se
toda
e qualquer
pessoa
que tenha o dever jurídico de cumprir ou não a ordem legal.
Na
posição de sujeito
passivo
encontra-se o Estado,
titular do objeto jurídico protegido pela norma penal, em função
da imperiosidade do regular exercício da atividade administrativa.
Extrai-se
da lição de Fernando Capez (2013), que o elemento subjetivo dessa
prática delitiva é o dolo,
isto é, a vontade livre e consciente de não obedecer ordem legal
proferida
por
funcionário público; exigindo do agente a consciência da
legalidade da ordem e da competência do funcionário público para
expedi-la.
O
conteúdo
da ordem emanada pode ser uma ação
(determinar que o destinatário faça algo) ou omissão
(determinar que o destinatário deixe de fazer algo); sendo
nesta, o crime consumado
quando o agente houver
praticado
a ação que deveria se abster, e naquela, quando deixa de cumprir a
ordem legal emanada pelo funcionário público competente. Quanto
a tentativa,
somente é possível na forma comissiva do descumprimento da ordem
legal. (CAPEZ, 2013)
Caso,
o agente esteja encoberto por alguma causa excludente da ilicitude,
não haverá caracterização do delito de desobediência, v.g.,
o advogado que se abstém de prestar depoimento para resguardar o
sigilo profissional. (art. 35 – Código de Ética e Disciplina da
Ordem dos Advogados do Brasil – OAB – Resolução 02/2015)
De
acordo com o exposto, a desobediência é caraterizada pelo não
atendimento de uma ordem legal emanada por funcionário público
competente àquele que tem o dever jurídico de obedecê-la.
Analisaremos
abaixo, um
caso
em que a ordem emanada não caracterizou o delito em apreço, por
carência de legalidade.
Acórdão
proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
EJC
Nº 71005712732 (Nº CNJ:
0042375-98.2015.8.21.9000)
2015/Crime
APELAÇÃO-CRIME.
ARTIGO 330 DO CÓDIGO PENAL. DESOBEDIÊNCIA. ATIPICIDADE. SENTENÇA
MANTIDA.
1.
Atipicidade de conduta que se reconhece. Caso, em que o agente
é processado por ter se negado a colocar “as mãos na cabeça”.
2.
Mesmo que o art. 330 do Código Penal configure tipo penal aberto,
não se pode abrir espaço para criminalizar qualquer comportamento,
haja vista que nem toda ordem desobedecida compõe o delito.
3.
O princípio da legalidade impõe que a ordem seja formal e
materialmente legal, segundo ensina Rogério Greco. Encostar em
muros, em paredes, ajoelhar no chão, deitar no chão, entre outras,
são práticas desajustadas aos princípios legais que norteiam o
direito positivo brasileiro, embora possam ser adequadas a uma ou
outra situação específica, favoráveis apenas à técnica de
abordagem policial, referida na denúncia.
4.
Nesse contexto sobressai a disposição constitucional segundo a qual
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa,
senão em virtude de lei” (art. 5º, inc. II, da Constituição da
República). Ferrajoli adverte a tal respeito,
ao referir que “é punível só
aquilo que é proibido pela lei, tudo o que a lei não proíbe não é
punível, mas é livre ou permitido”.
5.
Tampouco há que se cogitar que eventual disposição normativa
infralegal, como Nota de Instrução ou Resolução de
caráter genérico, possa conferir poderes para exigir
determinada conduta, pena de desobediência. A própria teoria dos
poderes implícitos deve ser vista com reservas, como referiu o Min.
Celso de Mello, ao apreciar o HC 94.173/BA. Não se pode cogitar que
encargo atribuído a determinado órgão de Estado implique em
deferimento implícito de todo e qualquer meio necessário à
ultimação dos fins a ele atribuídos.
6.
Se a ordem desobedecida fosse de apresentar documentos, de permitir
revista ou busca pessoal, nos casos dos arts. 240 e 244 do CPP,
diversa poderia ser a situação.
7.
Não havendo lei que determine a obrigatoriedade da conduta imputada
pela denúncia, a desobediência à ordem de “colocar as mãos na
cabeça” não caracteriza crime. (grifos nosso)
O
caso em tela, trata de recurso de apelação interposto pelo
Ministério
Público
contra decisão que julgou improcedente a denúncia ofertada contra
(acusado),
pela prática, em tese, do crime previsto no artigo 330 do Código
Penal, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de
Processo Penal. Requereu a reforma da decisão para que fosse
condenado o acusado.
O
recorrido foi
denunciado porque teria desobedecido à ordem legal de funcionário
público. Na ocasião dos fatos, Policiais Militares visualizaram o
denunciado em atitude suspeita, oportunidade em que o abordaram,
determinando que parasse para proceder a revista.
Conforme
o relato prestado pelos
Policiais Militares e vítimas secundárias do delito, a instrução
revelou que a ordem era de parar e colocar “as
mãos na cabeça”.
Na
fundamentação da decisão o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul foi
levada em consideração
diversos princípios
constitucionais, entre
os quais, o princípio
da cidadania, e o
princípio da vida
digna, previstos
no art. 1º da Constituição Federal.
Além
de observar os
princípios norteadores do direito penal brasileiro, como: Lesividade
(ou ofensividade); intervenção mínima, legalidade (ou reserva
legal), humanidade e culpabilidade. Há, além destes, outros que
podem ser considerados desdobramentos, entre os quais o da
Taxatividade, da Insignificância, da Adequação Social, entre
outros.
Transcrição
de
fundamento da
própria decisão:
Há
que se referir, nessa parte, o
princípio da legalidade.
Não são poucos os casos de policiais que determinam comportamentos
não
previstos em lei: encostar em muros; em paredes; abrir ou afastar as
pernas; ajoelhar no solo e colocar as mãos sobre a cabeça; deitar
no chão, entre outros. São práticas em que não se permite
vislumbrar coerência com os princípios legais que norteiam o
direito positivo brasileiro, embora, não se olvide, possam ser
adequadas a uma ou outra situação específica, mas que não
obrigam, necessariamente, a seu cumprimento pelo cidadão.
Assim,
o crime de desobediência exige conduta que represente uma
resistência passiva, quando o agente deixa de atender ou não cumpre
ordem legal (prevista em lei, ou de acordo com a lei) emanada de
funcionário público.
Todavia,
de tal sorte, não
há lei que obrigue, por exemplo, a encostar as mãos ou o próprio
corpo, numa parede, num muro, numa árvore, num veículo, apoiar
neles, deitar no chão, ficar de joelhos aguardando que a polícia
proceda à conferência física de documentos pessoais em relação
aos dados constantes do sistema virtual, como já se viu muitas vezes
em noticiários das redes de comunicação nacionais. Tais
procedimentos servem unicamente para favorecer a técnica policial em
eventual revista pessoal, visando também a garantir,
especialmente, a concretude do trabalho policial e a segurança dos
milicianos.
Destarte, o princípio da legalidade dá o norte necessário para que
se possa exigir do indivíduo conduta determinada, com o registro de
que eventual descumprimento só poderá ser sancionado se
precedentemente houver legislação que como tal o defina.
Princípio
da legalidade (reserva
legal) - Cabe à lei a tarefa de definir, isto é, descrever os
crimes. É reservado a lei a existência do crime e sua respectiva
pena.
“Nullum
crimen, nulla poena sine poena sine praevia lege”.
Princípio
da anterioridade
da
lei penal–
é exigido que a lei esteja em vigor no momento da prática da
infração penal. (MANZANO,
2010)
Da
acusação por desobediência
à ordem de colocar “as
mãos
na cabeça”,
a
Constituição Federal prevê que “ninguém
é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa em virtude de
lei”.
(art. 5º, inc. II – CF/1988)
Nesse
contexto, portanto, não há como obrigar
o cidadão a adotar a postura recomendada ou determinada em
nota de instrução ou resolução de caráter genérico, porém, não
prevista no ordenamento jurídico pátrio,
nela permanecendo, sob
pena
de incorrer em desobediência. Não
há lei que obrigue a isso.
Portanto,
não poderia ser outra, senão a acertada decisão de atipicidade da
conduta, já que desobedecer à ordem de colocar “as
mãos na cabeça”
não é
uma ordem legal, dessa forma, não configura
crime.
Art.
46 da Lei 9.610/98:
“Não
constitui ofensa aos direitos autorais:
(...)
III
- a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de
comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo,
crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir,
indicando-se o nome do autor e a origem da obra”.
Referências
bibliográficas:
BITENCOURT,
Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2007.
CAPEZ,
Fernando. Curso de Direito Penal I. 16. ed. São Paulo: Saraiva,
2012.
CAPEZ,
Fernando. Curso de Processo Penal, 20. ed.; São Paulo. Saraiva,
2013.
BONFIM,
Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010.
MANZANO,
Luís Fernando de Moraes. Curso de Processo Penal. 1. ed. São Paulo:
Atlas, 2010.
SILVA,
De Plácido e. Dicionário Jurídico Conciso. 1. ed. Rio de janeiro:
Forense, 2008.
PINTO,
Antônio Luiz de Toledo e outros. Vade Mecum. 11. ed. São Paulo:
Saraiva, 2014.
THEODORO
Jr., Humberto. Teoria Geral do Direito Processual Civil I. 53. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2012.